Nesta quinta-feira (17.mai.2012), um dia depois da entrada em 
vigor da Lei de Acesso a Informações Públicas, a presidente Dilma 
Rousseff publicou o decreto 7.724/2012 que regulamenta os procedimentos para que a 
norma seja cumprida.
Com a edição do decreto, os órgãos do Executivo federal não 
podem mais apresentar a falta de regulamentação como desculpa para o atraso na 
implementação dos dispositivos da Lei, como vinham 
fazendo alguns.
Embora com algumas falhas e lacunas, como será demonstrado a 
seguir, o decreto da Lei de Acesso é positivo por influir sobre os outros 
Poderes da República (que ainda não editaram suas normas) e sobre os governos 
estaduais e municipais. Será positivo se houver regras mais ou menos 
padronizadas a respeito de como obter dados públicos, pois assim a vida dos 
cidadãos se torna mais fácil.
De modo geral, o decreto reforça os pontos mais importantes da 
Lei de Acesso, como a obrigação da transparência ativa (a divulgação de 
informações de interesse público independentemente de solicitações), o direito 
de todos os cidadãos a pedir informações públicas e o fim do sigilo eterno de 
documentos oficiais. Mais relevante, entretanto, é que ele mitiga algumas 
dúvidas que ainda pairavam sobre certos dispositivos e especifica as condutas e 
procedimentos que a esfera federal deve seguir para efetivar o cumprimento da 
Lei.
Merece louvor a inclusão da obrigação do poder público federal 
de divulgar remuneração, subsídio, auxílios, ajudas de custo e outras vantagens 
recebidos por seus servidores. Derruba-se um dos grandes (talvez maiores) tabus 
envolvendo a transparência de informações públicas, que tradicionalmente esbarra 
em uma oposição entre direito de acesso a informações públicas e o direito à 
privacidade – embate cujo vitorioso já fora definido por juristas e 
especialistas mais de uma vez.
No entendimento do procurador regional da República Marlon 
Weichert, presente no seminário realizado pelo Fórum na última quarta-feira, o 
interesse público se coloca acima do interesse individual, no caso da divulgação 
de vencimentos de funcionários públicos. Na mais alta Corte do país, a 
interpretação é semelhante: o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), 
ministro Carlos Ayres Britto, proferiu decisão em 2011 liberando a divulgação de salários de 
servidores da Prefeitura de São Paulo, argumentando que a exposição "é o preço 
que se pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado 
republicano".
Por outro lado, perdeu-se valiosa oportunidade de 
institucionalizar a divulgação detalhada da agenda executada pelos altos agentes 
públicos, como ministros de Estado e secretários-executivos de ministérios (os 
secretários-executivos são, na prática, os “vice-ministros” e fazem todo o 
serviço prático das pastas, inclusive receber representantes de todos os setores 
da sociedade).
Atualmente, os nomes dos frequentadores de gabinetes oficiais é 
um tipo de informação fornecida de forma rasa (um exemplo é a própria agenda presidencial), ou simplesmente não o é. Tais 
autoridades recebem diariamente inúmeras visitas, muitos assessores, 
representantes de outros países ou de setores da sociedade – e não se sabe quase 
nada a respeito dessas agendas (quem é recebido e o qual é o tema das 
conversas).
Como comparação, no site da Casa Branca (sede do Poder 
Executivo dos EUA) é possível saber quem entra e quem sai do edifício, bem como quem 
foi a autoridade visitada.
A ausência de menção à divulgação da agenda executada na Lei de 
Acesso e no decreto regulamentador, embora prejudicial a princípio, pode ser 
usada a favor dos cidadãos: não há qualquer impedimento para que se solicite 
acesso às agendas dos ocupantes dos altos cargos públicos. E uma resposta terá 
de ser dada – seja o acesso em si, seja a justificativa para a manutenção das 
informações em segredo.
A divulgação das agendas completas de autoridades é um tema 
relevantíssimo para o controle da sociedade. Ao ser obrigado a divulgar os nomes 
de todas as pessoas que recebe, o agente pública fica naturalmente constrangido 
a manter encontros que não sejam republicanos.
Outro trecho do decreto decepciona: o artigo 20 dá fundamento à 
recente resolução do Tribunal de Contas da União que restringiu o 
acesso a informações relativas a inspeções, auditorias, prestações e tomadas 
de contas. Segundo o texto, "o acesso a documento preparatório ou informação 
nele contida, utilizados como fundamento de tomada de decisão ou de ato 
administrativo, será assegurado a partir da edição do ato ou decisão".
Por fim, outro aspecto ausente da Lei de Acesso e da 
regulamentação diz respeito a como as pessoas –e as autoridades– se comunicam 
neste século 21. Nada é dito sobre como arquivar e depois divulgar mensagens 
eletrônicas. Centenas de milhares de e-mails são trocados diariamente no âmbito 
dos governos, com os servidores públicos usando seus endereços funcionais com 
terminação “.gov”. Quem arquiva esses e-mails? Como são classificadas essas 
mensagens que fazem parte da memória do país? Quando esses textos podem ser 
liberados?
Não há respostas para essas perguntas e só a prática diária da Lei 
de Acesso mostrará para qual direção os governos caminham.
Também não custa mencionar que milhares de funcionários 
públicos usam telefones celulares cedidos pelo Estado. As contas telefônicas 
desses aparelhos e os torpedos (mensagens de texto do tipo SMS) também consistem 
informações públicas. Essas informações, por certo, devem ser mantidas por algum 
tempo em reserva. Mas por quanto tempo? E como estão sendo arquivadas? Ninguém 
sabe e o decreto da Lei de Acesso não toca nesse aspecto também relevante da 
memória viva do país.
Processamento de pedidos de informação
O 
decreto detalha como os pedidos de informação deverão ser feitos – sobretudo, 
como deverão ser processados e respondidos pela entidade pública. O mecanismo de 
recurso a negativas de acesso, cercado de dúvidas até a edição do decreto, ficou 
mais claro (em nível federal, cabe lembrar). Com a regulamentação, a Comissão de 
Reavaliação de Informações ficou estabelecida como a última instância recursal 
para negativas de acesso, acima da Controladoria-Geral da União (art. 24).
A edição do decreto não reduziu a sensação de que levará alguns 
anos para que os órgãos públicos se organizem e incorporem os procedimentos às 
suas rotinas. Para que os serviços de informação ao cidadão sejam eficientes, 
será preciso mais do que salas de fácil acesso, com seus banners de 
identificação. Será preciso repensar (ou, em alguns casos, criar) procedimentos 
adequados de armazenamento e arquivamento, para localizar e fornecer rapidamente 
informações sob a guarda do órgão público.
O treinamento de todos os servidores para lidar com a gestão 
das informações com as quais trabalham diariamente é outra parte essencial para 
o sucesso do serviço. Afinal, o item III do artigo 12 do decreto deixa margem 
para negativas de acesso baseadas no desconhecimento ou despreparo de servidores 
do órgão público a que se dirigir uma solicitação: "Não serão atendidos pedidos 
de acesso à informação que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação 
ou consolidação de dados e informações".
O que pode ser considerado trabalho adicional? E se as 
informações estiverem mal organizadas ou precisarem ser reunidas antes de 
fornecidas e o servidor considerar que essa tarefa vai além de suas 
obrigações?
Pode-se argumentar, nesse caso, que a Lei de Acesso determina 
uma punição para servidores que agirem com "dolo ou má-fé" ao recusar um pedido 
de acesso a informações (art.65, item III). Mas o dolo e a má-fé são difíceis de 
se comprovar, e excluem o eventual despreparo do servidor (como lembrou a 
procuradora da República Inês Virgínia Soares durante seminário na última 
quarta-feira).
Entidades sem fins lucrativos
O 
detalhamento de informações que devem ser obrigatoriamente prestadas por 
entidades sem fins lucrativos que recebem recursos públicos federais, feito no 
artigo 63 do decreto, é outro ponto relevante. Outras leis, como a das OSCIPs 
(9790/99) já determinam que tais instituições deveriam divulgar 
alguns dados, mas a fiscalização para o cumprimento da obrigação é 
tradicionalmente fraca e poucas vezes resulta em sanções.
Com a Lei de Acesso e o seu decreto, espera-se que agora, com a 
inclusão específica dessas entidades no conjunto daquelas que devem prestar 
contas à sociedade e o estabelecimento de punições que podem chegar à proibição 
de contratar com o poder público, fraudes como as identificadas no ano passado sejam 
inibidas.
Hipóteses e procedimentos de sigilo
No 
capítulo sobre o sigilo de documentos, o decreto reitera e reforça a intenção de 
encerrar o segredo sobre papéis relacionados a práticas de tortura e morte de 
membros da oposição ao regime militar (1964-1984): "As informações sobre 
condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes 
públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de 
classificação em qualquer grau de sigilo nem ter seu acesso negado" (art. 41) e 
"não poderá ser negado acesso às informações necessárias à tutela judicial ou 
administrativa de direitos fundamentais [incluídos os direitos humanos]" (art. 
42).
Mesmo os documentos que forem mantidos sob sigilo deverão ter 
algum nível de transparência. Os órgãos públicos deverão publicar na Internet, 
até o dia 1º de junho de todo ano, lista das informações desclassificadas nos 
últimos 12 meses e lista das informações classificadas em cada um dos 3 graus de 
sigilo (detalhando o código de indexação do documento, categoria em que ele se 
encaixa e data de produção e classificação).
A publicação dessas listas anuais de documentos classificados e 
desclassificados foi incluída na lei por pressão da sociedade civil, sobretudo a 
Associação Brasileira de 
Jornalismo Investigativo (Abraji) porque considerou-se que essa é uma 
ferramenta essencial para aferir o bom funcionamento da nova regra de 
transparência.
Digno de nota, ainda, o dispositivo que desclassifica 
automaticamente os documentos ultrassecretos e secretos se a Comissão de 
Reavaliação de Informações não se pronunciar a respeito deles a cada 4 anos, no 
máximo.
A Comissão é composta por 10 autoridades: ministros da Casa 
Civil, da Justiça, das Relações Exteriores, da Defesa, da Fazenda, do 
Planejamento e da Secretaria de Direitos Humanos; chefe do Gabinete de Segurança 
Institucional da Presidência da República; advogado-geral da União; 
ministro-chefe da Controladoria-Geral da União. O titular da Casa Civil 
presidirá a Comissão e terá o poder de desempatar votações sobre reavaliação e 
desclassificação de papéis.
Informações pessoais
Temática abordada de 
forma vaga na Lei de Acesso, a proteção a informações pessoais continuou 
nebulosa, com a regulamentação. Não se vai muito além do genérico "tratamento de 
forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das 
pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais."
Uma questão relacionada ao acesso a arquivos da ditadura 
militar no Brasil, no entanto, pode ser considerada solucionada: o item II do 
artigo 58 complementa os artigos 41 e 42 já mencionados, ao proibir a restrição 
do acesso a informações pessoais quando elas estiverem em "conjuntos de 
documentos necessários à recuperação de fatos históricos de maior relevância". 
Historiadores e pesquisadores expressavam preocupação com a eventual ocorrência 
de negativas de acesso a arquivos da época sob a justificativa de proteção da 
intimidade dos envolvidos.
Balanço
Apesar das críticas feitas neste 
artigo, o decreto 7724/2012 consolida a garantia do direito de acesso a 
informações públicas trazida pela Lei de Acesso a Informações Públicas e pela 
Constituição Federal. Como afirmado no início deste texto, trata-se de É uma boa 
medida que terá influência sobre os outros Poderes da República e sobre governos 
de Estados e de municípios para que todos editem suas leis ou decretos próprios 
de acesso à informação.
Por Marina Iemini Atoji